domingo, 29 de maio de 2011

E POR FALAR EM QUALIDADE DE VIDA...VALE A PENA LER ESTA MATÉRIA...

“Políticas de saúde que impactem, para valer, na qualidade de vida têm que olhar obrigatoriamente para além do setor saúde”

A nova edição da Revista Brasileira Saúde da Família faz uma avaliação dos últimos oito anos de gestão da Atenção Básica no Brasil. Um dos destaques da publicação é a entrevista com o ex-ministro da saúde, José Gomes Temporão, que avalia os resultados do governo Lula, a divulgação dos resultados da pesquisa Saúde Bucal Brasil 2010, a avaliação de 10 anos da Política Nacional de Alimentação e Nutrição e a análise da inserção da população negra aos serviços de saúde. Ele afirma que “políticas de saúde que impactem, para valer, na qualidade de vida de um povo têm que olhar obrigatoriamente para além do setor saúde”.
Confira a entrevista!
ENTREVISTA – José Gomes Temporão, ministro da Saúde
Pesquisador da Fiocruz desde 1980, José Gomes Temporão assumiu a liderança do Ministério da Saúde em março de 2007, após quase dois anos à frente da Secretaria de Atenção à Saúde. As últimas participações são fruto de uma vida voltada à saúde pública, participação no movimento sanitarista, que resultou na criação do SUS, e atuações diversas em secretarias do Estado do Rio de Janeiro, entidades representativas e consultorias a organismos internacionais. Chegando ao final da gestão no Ministério e Governo Lula, Temporão avalia, para a Revista Brasileira Saúde da Família, as ações do governo federal em prol da saúde dos brasileiros, situa avanços obtidos e aponta algumas contradições.
RBSF: Como avalia sua gestão como ministro? Para os objetivos e metas propostos, até onde se conseguiu chegar?
José Temporão: Entendo que uma avaliação isenta vai precisar de um pouco mais de tempo.Tarefa para a academia e os analistas de políticas públicas. Vejo o ministro não apenas como um gestor, mas principalmente como uma liderança intelectual e política que se propõe a enfrentar os grandes desafios da saúde contemporânea. Nessa perspectiva, avalio que avançamos muito, considerando o planejamento proposto no Mais Saúde.
RBSF: E a atuação da saúde nos oito anos do Governo Lula, como avalia? Quais foram os pontos fortes e quais os fracos?
José Temporão: Os relatórios e pesquisas disponíveis demonstram cabalmente o avanço importante na oferta, acesso e redução de desigualdades. Destaco, em primeiro lugar, os benefícios para a saúde que o modelo de desenvolvimento econômico e social da Era Lula trouxe para a saúde. Nós, da Reforma Sanitária, consideramos que a saúde é socialmente
determinada. Portanto, a redução da miséria, da fome, a ampliação da renda, a grande mobilidade social, o enfrentamento das injustiças e iniquidades, e a ampliação do emprego e do acesso à cultura são saúde! A principal fragilidade adveio da não regulamentação da EC 29 e da persistência de um subfinanciamento setorial que coloca em sério risco o projeto de efetiva implantação do SUS.
RBSF: O Ministério é hoje um dos fortes formadores de cidadãos? Homens e mulheres com consciência de cidadania?
José Temporão: Acho que avançamos, sim, nessa questão, mas ainda estamos longe do que Giovanni Berlinguer defende com seu conceito de consciência sanitária. Os avanços são lentos e fragmentados. E a construção dessa consciência enfrenta grandes contradições. Interesses econômicos e corporativos. Um processo institucional patrocinado pelas indústrias de alimentos, bebidas alcoólicas e medicamentos, e veiculado cotidianamente pela grande mídia, é, na prática, um grande e eficaz esforço de deseducação em saúde em pleno desenvolvimento no Brasil.
RBSF: Em que ponto está o desenho, a implantação da Atenção Primária à Saúde? Em que se caminhou e em que se precisa de mais tempo e investimentos para sua consolidação?
José Temporão: Essa é uma das grandes conquistas brasileiras reconhecidas internacionalmente. A ESF, em sentido ampliado, como política e estratégia de reorientação setorial, avançou bastante. E os resultados já aparecem na redução da mortalidade e ampliação do acesso às medidas de promoção e prevenção. A questão dos profissionais de saúde, vínculo, motivação, salários, progressão ainda é o elo mais frágil a ser trabalhado.
RBSF: O sistema de saúde hoje é subfinanciado em, praticamente, metade de suas necessidades. Tem 3,5% do PIB e precisaria de, aproximadamente, 6,5%. Quais as soluções possíveis e definitivas para o financiamento? No orçamento do Ministério, a APS ganha um terço dos recursos destinados para a média e alta complexidades. Essa diferença tende a ser mantida?
José Temporão: Considero essa visão de comparar gastos com APS versus média e alta complexidade inadequada. Na
realidade, se tomarmos como ano base o ano de 2000, veremos que, proporcionalmente, o crescimento dos gastos com
APS cresceram muito em relação ao MAC. A meu ver, ambos estão subfinanciados. E o Brasil precisa enfrentar com coragem essa questão. Caminhamos perigosamente para um processo de “americanização” do sistema de saúde brasileiro.
RBSF: A PNAD 2008 mostrou que já se conseguiu atingir e beneficiar a população pobre do País com serviços de saúde. Quais os desafios que considera existir para a saúde pública chegar à classe média, média alta? As capitais são áreas/núcleos de resistência à ESF?
José Temporão: Aqui a questão é política e ideológica, e não técnica. Nas últimas décadas, vendeu-se a ideia de que
ascender socialmente implica ter um plano de saúde privado! E as contradições são evidentes. Os trabalhadores sindicalizados na retórica defendem o SUS, mas, na prática, brigam por um plano de saúde melhor. Mesmo os que planejam, formulam e executam as políticas de saúde usufruem os planos privados subsidiados pelos impostos diretos de todos os brasileiros. São muitas e complexas as contradições. Se os sanitaristas brasileiros conquistaram hegemonia nos anos 80 do século passado e conseguiram aprovar o SUS, o que se viu nos últimos anos foi a perda gradual dessa hegemonia.
RBSF: O brasileiro, atualmente, tem mais saúde do que há oito anos? Quais as evidências disso?
José Temporão: O Brasil hoje passa por um complexo processo de transições. A demográfica e epidemiológica, que apontam para um país de mais idosos, em que as doenças crônicas prevalecem; a nutricional e alimentar, que projeta uma epidemia de obesidade e diabetes tipo 2; a tecnológica, que impõe pressão sobre os custos da assistência; e a cultural, na qual a saúde, como um bem essencial, é cada vez mais valorizada pela população. Nesse contexto, houve avanços evidentes, como o aumento da expectativa de vida ao nascer, a redução da mortalidade infantil, a redução da mortalidade por doenças cardiovasculares, a lei seca, trazendo redução dos óbitos no trânsito, a grande ampliação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), reduzindo muito a presença das doenças imunopreveníveis, a grande redução da mortalidade por malária, a estabilização da epidemia da aids, entre outros.
RBSF: Somente o número de ACS em ação no Brasil é próximo ao contingente das Forças Armadas. O que representa isso sob a ótica da saúde e sob a ótica de acessar, chegar à população por meio de cidadãos de nível fundamental ou nível médio?
José Temporão: Aqui, a ESF rompeu paradigmas e preconceitos e comprovou a supremacia da intersetorialidade e do trabalho interdisciplinar e em equipe, envolvendo especialistas de vários níveis e complexidades de formação. E outra dimensão pouco valorizada: a saúde como dimensão do desenvolvimento, espaço privilegiado de criação de emprego, inovação e riqueza!
RBSF: Em sua gestão é que se desenvolveram a visão e as ações intersetoriais. O que nisso tem havido de importante e que deve permanecer, quais as principais ações intersetoriais, com o Ministério da Saúde, a seu ver?
José Temporão: Aqui é onde temos os maiores desafios, apesar do que já avançamos. Políticas de saúde que impactem, para valer, a qualidade de vida de um povo têm que olhar obrigatoriamente para além do setor saúde. Todo o campo da promoção da saúde é pródigo em exemplos. A interlocução entre vários saberes e abordagens é crucial para uma política de
saúde que se afaste do populismo sanitário e se aproxime do “processo civilizatório” de Arouca!
RBSF: Há uma visão se impondo, após a redução da mortalidade, de promoção de estímulos às crianças, ao desenvolvimento delas? É uma ação viável para o Brasil? Em que contexto?
José Temporão: A resposta a essa questão já existe e está neste momento em pleno desenvolvimento no Brasil, por meio da Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis, em que a visão exposta acima está sendo implantada na prática. Saúde, educação, cultura e ação social voltadas para uma visão ampliada dos direitos das mães e seus bebês a um desenvolvimento seguro e de qualidade.
FONTE: BEM VIVER

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